terça-feira, 23 de abril de 2013

DIA MUNDIAL DO LIVRO


 

                        DIA MUNDIAL DO LIVRO - 23 de abril




  Para assinalar o dia mundial do livro, não podia deixar de prestar aqui uma homenagem a uma escritora oriunda do nosso concelho - Madalena San-Bento, apresentando uma das suas deslumbrantes obras:


Os Expostos, de Madalena San-Bento

SAN-BENTO,  Madalena, Os expostos, Coleção Gaivota 78, Angra do Heroísmo, DRAS e SREC, 1994, 166 páginas



Fruto de um trabalho minucioso de escrita, elaborado a partir de elementos histórico culturais característicos de uma região insular, a autora revela-nos as condicionantes das gentes açorianas, num tempo oitocentista, e deixa perpassar, ao longo da narrativa, reflexões profundas sobre o ser humano que busca o idílico espaço de liberdade e de concretização, em  busca do conhecimento e da descoberta  das suas próprias origens.
Falamos de Rodrigo e de Ismael, personagens em tudo, aparentemente, diferentes pelo rumo de vida e pelo lugar que ocupam na sociedade. No entanto, há entre eles um paralelismo emocional que os une a um espaço idiossincrático ─ a ilha. 
Rodrigo é enviado aos Açores por demanda do pai que, por motivo de doença, foi impedido de viajar. Esta viagem proporcionou a Rodrigo a oportunidade da sua vida. Chegara finalmente a aventura idealizada e há tanto tempo frustrada por oposição paterna. A liberdade começa pelo afastamento da autoridade limitadora e prolonga-se através da descoberta da Ilha, um lugar que está enraizado em Rodrigo embora ele o desconheça.
A ilha exerce sobre a personagem um poder indescritível, «a ilha, assim, deixava de ter contornos, diluindo-se ela própria entre o céu e mar, flutuando, e tornando-se deveras uma coisa etérea. Era uma sensação, ou uma sucessão de impactos que se acumulavam na garganta e o impediam de falar» (p. 65). Parte, por isso, do desvendar do espaço exterior para o conhecimento da circunstância que o prende à terra insular e este rumo fará, assim, parte de um percurso iniciático, uma «descida aos infernos» do ser.
Ismael, cercado de proteção e amparo, cresceu no seio da Igreja, desconhecendo os seus progenitores. Este anonimato permitiu-lhe ainda assim uma (aparente) tranquilidade emocional. O acompanhamento de todos os que o rodearam ao longo da vida dotou Ismael das defesas necessárias à sobrevivência.  Deste modo, quando Rodrigo toma conhecimento da origem familiar do amigo, a única forma encontrada para o honrar e proteger é «”deixá-lo ser filho da ilha”.[...] Assim levará uma carta de recomendação, ao franquear a eternidade...”» (p.166).
A ilha cria e acolhe.  Por isso, envolta de brumas físicas ou oníricas, proporciona ao ser humano o regaço e o eterno porto de abrigo.

Paula Cotter Cabral

domingo, 21 de abril de 2013

DIA DA LIBERDADE - 25 DE ABRIL



Para comemorar o nosso dia da Liberdade, 
apresentamos uma série de poemas que versam a liberdade. 



O Dia da Liberdade
José Jorge Letria

Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afeto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo teto.



Liberdade
Miguel Torga

Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.  







 ABRIL DE ABRIL
Manuel Alegre

Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.

Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.





CANTATA DA PAZ
Sophia de Mello Breyner Andresen

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado





QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS
Natália Correia

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte.





Canto Moço

Zeca Afonso


Somos filhos da madrugada

Pelas praias do mar nos vamos

À procura de quem nos traga

Verde oliva de flor no ramo

Navegamos de vaga em vaga

Não soubemos de dor nem mágoa

Pelas praias do mar nos vamos

À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha

Acendemos uma fogueira

Para não se apagar a chama

Que dá vida na noite inteira

Mensageira pomba chamada

Companheira da madrugada

Quando a noite vier que venha

Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras

Largaremos pela noite fora

Onde há sempre uma boa estrela

Noite e dia ao romper da aurora

Vira a proa minha galera

Que a vitória já não espera

Fresca brisa, moira encantada

Vira a proa da minha barca.



Pedra Filosofal

António Gedeão

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso

como este ribeiro manso

em serenos sobressaltos

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam

como estas árvores que gritam

em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que sonho

é vinho, é espuma, é fermento

bichinho alacre e sedento

de focinho pontiagudo

que fuça através de tudo

em perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho

é tela é cor é pincel

base, fuste, capitel

que é retorta de alquimista

mapa do mundo distante

Rosa dos Ventos Infante

caravela quinhentista

que é cabo da Boa-Esperança

Ouro, canela, marfim

florete de espadachim

bastidor, passo de dança

Columbina e Arlequim

passarola voadora

para-raios, locomotiva

barco de proa festiva

alto-forno, geradora

cisão do átomo, radar

ultrassom, televisão

desembarque em foguetão

na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham

que o sonho comanda a vida

que sempre que o homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos duma criança



Abril de sim, Abril de Não

Manuel Alegre

Eu vi Abril por fora e Abril por dentro

vi o Abril que foi e Abril de agora

eu vi Abril em festa e Abril lamento

Abril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partir

vi o Abril de sim e Abril de não

Abril que já não é Abril por vir

e como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perde

Abril que foi Abril e o que não foi

eu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)

Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.





O poema - Antes que seja tarde - é da autoria de

Manuel da Fonseca, escritor e poeta, nasceu em Santiago do Cacém, em 1911 e faleceu em Lisboa, em 1993. Foi um dos maiores escritores do neorrealismo literário português.
Começou por publicar poesia, prosseguindo com prosa de ficção, revelando-se um escritor de tendência regionalista e de funda preocupação humana, que retrata a vida pobre dos trabalhadores rurais do Alentejo, dando especial realce à sua luta contra a injustiça e a miséria.
Teve através da sua arte uma intervenção social e política muito importante.





Antes que seja tarde 

Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca, in Poemas completos
Editora Forja










Poderá ainda recolher mais informações sobre este Dia da Liberdadeno  carregando no seguinte link:

http://www.escolovar.org/abril.htm